É um bunker. Um museu. Tem uma biblioteca aberta 24 horas. Herzog & De Meuron fizeram-no outra vez: é um espanto. O TEA é o novo centro cultural de Tenerife, um destino turístico. Mas não é para os turistas, não é como o Guggenheim de Bilbau, diz o seu director. Ele deve saber, porque ele esteve lá.
Visto de fora, o Tenerife Espacio de las Artes parece um bunker, longe da exuberância imediata do Estádio Olímpico de Pequim (ninguém diria que os arquitectos são os mesmos). Mas, depois de uma viagem ao interior, só podemos vê-lo com outros olhos. Dito de outro modo: é um edifício que se vê melhor por fora depois de o vermos por dentro. Por fora, o TEA é uma couraça de betão, com a magnitude de um porta-aviões; por dentro, é uma máquina de percepção.
Inaugurado no fim de Outubro de 2008, o TEA é o mais recente projecto da dupla suíça Jacques Herzog & Pierre de Meuron concluído em Espanha, depois do Edifício Fórum, em Barcelona (2004), e da CaixaForum, em Madrid, aberta em Fevereiro do ano passado. E é o segundo projecto daqueles arquitectos em Santa Cruz de Tenerife, uma cidade de pouco mais de 200 mil habitantes (como o Porto, sensivelmente), depois da remodelação da Praça de Espanha: Herzog & De Meuron trouxeram o mar para a cidade ao criar um gigantesco espelho de água numa zona de passeio público, e isto é só a primeira parte de um plano mais ambicioso, de transformação da frente marítima de Santa Cruz.
Conhecida como destino turístico, Tenerife, a maior ilha das Canárias, tem vindo a estabelecer uma reputação arquitectónica nos últimos tempos (neste momento, os dedos dos habitantes locais estão a apontar na direcção do auditório ondulante e branco de Santiago Calatrava, junto ao mar). Com o TEA, Tenerife acaba não só de entrar no circuito internacional da arquitectura, mas, o que talvez seja mais importante para a população local, dispõe agora de uma infra-estrutura centralizadora que promete dinamizar a vida cultural da cidade.
Comparado com as obras-espectáculo a que Herzog & De Meuron nos têm habituado - os fotogénicos "Ninho de Pássaro", em Pequim, com a sua musculatura tecnológica, ou o Estádio Allianz Arena, de Munique, com o seu revestimento luminescente -, o TEA parece discreto, sem deixar de ser surpreendente. É o contrário do edifício exibicionista: exige corte prolongada, e o seu exterior de betão, quase brutalista, parece a antítese da arquitectura high tech, produzida digitalmente. Isto enquanto ele não nos tira o tapete: a partir do momento em que transpomos as letras "TEA", à entrada, este volume escuro, aparentemente fechado sobre si mesmo, revela-se um espaço generosamente aberto. Não é o tipo de arquitectura que se oferece instantaneamente a uma câmara, porque produz uma certa ambiguidade. Como resume o director da instituição, Javier González de Durana (Bilbau, 1951), parece um edifício "compacto, gótico, cheio de sombras, mas depois é muito abstracto e luminoso".
O acesso ao interior faz-se por um imenso pátio triangular, em rampa, lembrando-nos que estes são os mesmos arquitectos da Tate Modern, em Londres. Mas as semelhanças acabam, porventura, aí. Não se pode acusar Herzog & De Meuron (que trabalharam aqui em colaboração com o espanhol Virgilio Gutiérrez) de se copiarem a si próprios.
Quando entra nessa praça triangular, o visitante sente-se irresistivelmente impelido para as grandes paredes de vidro laterais porque se apercebe de que algo se passa lá dentro e em baixo: uma imensa biblioteca, branca e racionalista, com uma escala industrial. As amplas janelas permitem olhares recíprocos entre o exterior e o interior, além de o seu reflexo proporcionar um efeito de multiplicação ou prolongamento do espaço. A rampa atravessa literalmente a biblioteca, dividindo-a ao meio.Ao entrar no edifício, vamos continuar a olhar para baixo: do lado esquerdo, a zona de cafetaria, também no piso inferior e com os mesmos candeeiros pendentes do tecto, longilíneos e translúcidos (desenhados pela dupla de arquitectos), parece uma extensão da biblioteca.
Atrás da recepção e bilheteira, uma escada em caracol liga os três pisos do TEA, e é aí que o seu director nos recebe, para uma visita guiada.
Três em umO TEA é um centro cultural multifuncional, combinando diferentes espaços e actividades. É, ao mesmo tempo, um museu de arte moderna e contemporânea, uma biblioteca pública e um centro de fotografia.O que o distingue de qualquer outro museu, assinala González de Durana, é que, "aqui, o espaço mais importante não é o das exposições, mas a biblioteca, onde se produz o conhecimento, a reflexão". Não é a sua única particularidade: é uma biblioteca que nunca fecha; está aberta 24 horas por dia, o que explica a profusão de candeeiros num espaço que tira tanto proveito da luz natural. A melhor altura para visitar o TEA será a meio da tarde, para sair de noite e ver o seu teatro luminoso. Os arquitectos trespassaram as fachadas de betão com aberturas de forma irregular - é uma das marcas emblemáticas do edifício -, que, à noite, irradiam a luz artificial do interior. Jacques Herzog diz que as perfurações nas fachadas seguem um padrão obtido a partir de uma imagem pixelizada do mar frente a Santa Cruz.
Computadores com acesso gratuito à Internet, sofás para incentivar o encontro - o director do TEA faz questão de sublinhar que o ambiente é informal (talvez por isso biblioteca e cafetaria se pareçam tanto) e vai direito a uma gigantesca tela de plástico que forma uma black box no centro desta biblioteca branca: é uma sala de projecção de 30 lugares. A cortina não isola totalmente o som, mas pouco importa: esta "não é uma biblioteca onde o silêncio é imperativo, não é uma biblioteca do século XIX", nota o director.A biblioteca é também o espaço onde o belo paradoxo desta arquitectura está mais à vista, com o seu jogo de contradições entre a materialidade sólida das fachadas e a ligeireza das transparências, entre o maciço e o evanescente, entre interior e exterior.No mesmo piso, encontram-se as galerias de exposição temporária, com áreas que variam entre a grande escala e o intimismo. Dois pisos acima, dominam as salas de exposição permanente, ou, melhor dizendo, as salas onde a colecção do TEA dialoga com a arte actual.
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